O fogo, uma das mais significativas descobertas da história da humanidade, transformou o modo como vivemos. Essa força da natureza não apenas facilitou o cozimento de alimentos, mas também proporcionou aquecimento e iluminação, permitindo que as pessoas prolongassem suas atividades após o pôr do sol. Além disso, foi o combustível que impulsionou a Revolução Industrial, moldando o mundo moderno.
Pesquisadores têm se empenhado em compreender a relação dos primeiros humanos com o fogo. Um recente estudo trouxe à tona uma perspectiva intrigante: os primeiros usuários desse elemento essencial não o utilizavam primariamente para cozinhar alimentos, mas sim para outras finalidades.
Debate sobre uso do fogo é extenso e cheio de hipóteses
O IFLScience comenta que as interações entre os humanos primitivos e o fogo são assunto de debates prolixos. A maioria dos especialistas acredita que não houve um único momento em que os hominídeos passaram a incorporar o fogo em seu cotidiano. A utilização desse recurso foi gradualmente adotada por eles desde o início do Pleistoceno.
Inicialmente, a crença predominante era de que o fogo servia primariamente para cozinhar carnes e vegetais, facilitando a adaptação do Homo erectus, que precisou de um sistema digestivo menor e, simultaneamente, de um cérebro maior. Essa noção é conhecida como a “hipótese da culinária”.
No entanto, investigações mais recentes desafiam essa visão, sugerindo que a função primária do fogo pode não ter sido o cozimento de alimentos, mas sim algo mais complexo.

Estudos recentes questionam utilidade do elemento na antiguidade
Um estudo inovador, publicado em maio deste ano na Frontiers in Nutrition, trouxe novas interrogações sobre o uso do fogo pelos humanos antigos.
O Dr. Miki Ben-Dor, coordenador da pesquisa, afirmou que há um consenso de que, há 400 mil anos, a utilização do fogo era comum em lares, sendo empregado para assar carnes, aquecer ambientes e fornecer iluminação. Contudo, dúvidas emergem sobre o período anterior àquela época. Segundo Ben-Dor, muitos sítios arqueológicos mais antigos não apresentam evidências claras do uso do fogo, indicando que sua presença era incomum entre os humanos da época.
Os primeiros humanos, particularmente o Homo erectus, não faziam uso regular do fogo; sua utilização era ocasional e restrita a locais específicos e propósitos bem determinados.
Dra. Miki Ben-Dor, líder da pesquisa
A equipe de Ben-Dor decidiu explorar essa evolução mais a fundo. O passo a passo do estudo incluiu:
- A revisão da literatura sobre nove sítios arqueológicos com evidências de uso de fogo, datados entre 1,8 milhão e 800 mil anos;
- Pesquisas em dois locais em Israel (Gesher Benot Ya’aqov e a Pedreira de Evron), seis na África e um na Espanha;
- Utilização de estudos etnográficos de caçadores-coletores contemporâneos para insights sobre hábitos humanos em épocas passadas.
Após a análise, a equipe identificou características comuns entre os nove sítios, levando-a a formular novas hipóteses.

Qual era a função do fogo há milhões de anos?
A partir da análise, a equipe observou que os sítios arqueológicos apresentavam uma abundância de ossos de animais grandes, como elefantes e hipopótamos. Esses animais desempenhavam um papel crucial na alimentação dos humanos antigos, fornecendo calorias suficientes para alimentar grupos inteiros por longos períodos, às vezes mais de um mês.
Como a carne desses animais era um recurso precioso, era vital protegê-la de predadores e da contaminação. Desse modo, os pesquisadores formularam a hipótese de que os dois principais usos do fogo na antiguidade foram:
- Proteger a carne retirada de grandes caças de outros animais; e
- Preservar essa carne por meio de processos de secagem e defumação.
Este estudo propõe uma nova compreensão sobre as motivações que levaram os primeiros humanos a empregarem o fogo: a necessidade de proteger a caça e conservar o alimento por períodos mais longos.
Professor Ran Barkai, coautor do estudo
Entretanto, uma vez que o fogo era aceso, é bastante plausível que os humanos também o utilizassem para o cozimento. Afinal, acender uma fogueira era um esforço considerável, embora não fosse a motivação principal para seu uso. Assim, o que se descortina com esse estudo é uma nova configuração na relação dos primeiros humanos com o fogo, revelando um conhecimento rico e multifacetado sobre essa força primordial da natureza.